terça-feira, 15 de julho de 2025

Argumentos são discutíveis, opiniões não...

 


Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verdade, me constrangem um bocado; pois, vindas de pessoas inteligentes, só fazem reiterar minhas suspeitas quanto a eficácia da (des)educação tupiniquim.

 Falo da liberdade que as pessoas se dão para, com insistência, defenderem ideias a respeito de assuntos sobre os quais estão completamente desinformadas ou, na maioria dos casos, possuem apenas informações aleatórias, jornalísticas, toscas, oriundas do senso comum e de páginas de curiosidades da internet.

Tal fenômeno pode ser constatado em conversas corriqueiras sobre qualquer assunto. Se considerarmos tais opiniões quando inseridas em conversas informais e descompromissadas, não há do que se queixar. O problema é que as gentes costumam confundir conversa com debate e opinião com argumento. Erro muito comum, mas também muito danoso. O que chamamos de opinião, por si só, é incapaz de sustentar um debate saudável.

O termo “debate” se refere a um tipo específico de interação onde duas ou mais pessoas travam julgamentos diversos a cerca de um assunto, usando, para a avaliação desses juízos, um ou mais critérios — lógica, conhecimento técnico, conhecimento científico, argumentação crítica, conhecimento filosófico, uma mistura de saberes ou qualquer outra área do conhecimento — sempre de forma lógica, racionalizada, analítica e argumentativa.

Em outras palavras, é preciso ter uma quantidade mínima de informações e argumentos para defender uma ideia num debate.

Uma opinião (exceto a tal ‘opinião bem fundamentada’, que muitas vezes é, na verdade, um argumento) é apenas uma escolha arbitrária de ideias fundamentados nas preferências individuais de alguém. Opiniões, em geral, surgem de fatores menos conscientes; como gostos, preferências, propagandas bem assimiladas, informações soltas que pegamos por aí e, claro, os famosos pré-conceitos.

Já os argumentos surgem de análise, reflexão crítica, raciocínio lógico e informação a respeito do assunto.

É quase impossível chegar num resultado quando debatemos considerando apenas opiniões. Há muitos casos clássicos dessa dificuldade. Vejamos um problema estético. Minha namorada acha lindas algumas candidatas do American Next Top Model, enquanto eu acho todas uma magrelas-cadavéricas-sem-carne-pra-apertar.

É óbvio que temos preferências subjetivas estéticas bem diferentes. Por isso é completamente nonsense discutir qual preferência é melhor sem critérios objetivos para julgar. E nem eu nem ela temos lá bons critérios objetivos pra julgar esteticamente. Ora, nós nunca nos informamos a respeito desse assunto, por isso sei que me encontro incapaz de debater dignamente sobre o tema.

A consequência é que nós até conversamos, mas jamais debatemos a esse respeito. Por outro lado, conheço um mínimo sobre filosofia pra oferecer argumentos contra o relativismo moral ou a dialética marxista, e um mínimo de economia para compreender os problemas a respeito da teoria da exploração e julgá-la como ultrapassada e equívoca. São conhecimentos e informações que adquiri com algum estudo, análise e dificuldades. Estou certo que ainda tenho muito a aprender e muito o que aprimorar (aliás, sempre terei), contudo, o fato é que, para o bem ou para o mal, me informei um mínimo do mínimo sobre tais assuntos, o que me permite oferecer alguns argumentos aos invés de meras opiniões.

Infelizmente, porém, tenho me deparado com pessoas — muitas vezes inteligentes e queridas — que se ofendem quando deixo claro que não posso levar a sério suas opiniões, uma vez que, pelo que dizem, fica patente que não estão informadas sobre o que estão falando.

Por motivo que me escapa, imediatamente sou tomado como um tipo de maníaco dogmático dono da verdade. Se explico o porquê não posso concordar, meus argumentos são tomados como opinião; se mostro as culminâncias bizarras de algumas ideias, meus ditos são levados para o campo pessoal e sou acusado de praticar argumento ad-hominem.

Porém, curiosamente, quando converso com pessoas minimamente informadas (ou mais), recebo elogios, compreensão e aprendo o que está equivocado na maneira de pensar deste ou daquele autor ou neste ou naquele argumento, e se critico determinadas ideias, me recomendam livros com uma abordagem mais esclarecedora ou com certa desconstrução de mitos. 

O mais triste é que as pessoas que se ofendem com o que digo preferem me considerar um mau-caráter metido a sabichão do que pesquisar sobre o que falei. É realmente uma pena, pois “a verdade continua sendo verdade mesmo quando dita por um louco”. E eu, que sou completamente pirado, tenho apenas duas qualidades e quinhentos quatrilhões de defeitos. É notável que sou debochado, escroto e auto-complacente, mas se estou errado ou certo no que digo, isso só pode ser descoberto analisando O QUE digo e não o COMO digo.

Sendo sincero, embora me impressione negativamente o fato da maioria das pessoas — inclusive alguns bons amigos — desconhecerem a diferença básica entre opinião e argumento, felizmente já aprendi que, no país do homem cordial, tudo é levado para o lado pessoal, de modo que há coisas que você realmente não deve falar.

De qualquer modo, seria bom que as pessoas soubessem que opinião não se discute, mas argumento sim.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Amônia Na Baixada E Alguns Sorrisos Inusitados


Era por volta de oito horas da manhã de um Domingo. A movimentação social nas ruas era incipiente, apenas algumas pessoas aqui ou ali. Nada parecido com a muvuca que marca o centro da cidade nos outros dias da semana.

Calmos e despreocupados, eu e Carlos caminhávamos... Até que divisamos uma cena inusitada na praça, na área que fica ao lado da Igreja. Entre dois quiosques, uma jovem de roupas curtas aliviava suas necessidades, ou demarcava território, ali mesmo, na rua. Em tom jocoso, mostrando um misto de irreverência e constrangimento, pediu para que eu e Carlos não a olhássemos. Atrás dela, uma amiga, morena corpuda e também de roupas curtas, gargalhava, divertindo-se com a situação.

Carlos olhou de relance e não mais. Eu olhei e continuei a olhar. (Mulher tem esse efeito em mim). Acenei, inclusive, para a coadjuvante morena e corpuda. Ela respondeu com aceno e um belo sorriso. Seriam prostitutas? Baladeiras sofrendo as consequências de um sábado à noite? Não sei, mas achei que a morena era, além de gostosa, simpática. A coisa toda não durou mais do que dois minutos, mas foi o suficiente para aclimatar meu amigo ao zeitgeist da Baixada Fluminense ou ao espírito informal do fluminense, ou do carioca, ou, ainda, a essa permissividade corporal tão comum que existe por estas bandas.

Foi uma pequena cena de escracho público, adorável quando envolve mulheres. É o diferencial da Baixada. Não somos polidos, nem cultos e nem elegantes. Somos espontâneos, precários e meio avacalhados, mas somos divertidos, animados e nosso sorriso é fácil e maravilhoso. E se estivermos na pior, faremos piada e sorriremos pra você. E se algum amigo estiver em apuros, ajudaremos, sorriremos e faremos mais piadas. Tem gente que gosta, tem gente que odeia. Eu mesmo não gosto muito. Prefiro o zeitgeist da Finlândia.

Quando chegamos ao ponto de ônibus, nossas narinas foram imediatamente violentadas pelo odor acre da amônia humana. É por isso que eu gosto da Baixada: aqui a pobreza não se intimida, não se acanha, não se tapa com outdoors, como fazem na Avenida Brasil ou na Linha Amarela. Não, nada disso, senhores. Somos transparentes. Aqui o cheiro de urina velha de mendigo mijão empesteia o ar em quase qualquer ponto de ônibus ou canto imaginável. Reza a lenda que existe até uma confraria secreta de mijões, cujo único e supremo objetivo é mijar em pontos de ônibus e outros lugares indevidos.

Se bem que não é possível culpar os mendigos. Mijar na rua é, na verdade, uma das altas habilidades de sobrevivência cultivada por fluminenses e cariocas. Eu mesmo, apesar de um pouquinho culto, já fiz algumas vezes, quando bêbado. E jamais imaginaria que um brasiliense polido e refinado como meu primo... Porém, para minha surpresa, aconteceu: Carlos anunciou que precisava de um banheiro para mijar. Felizardo! Expliquei a ele que nós fluminenses somos muito sofisticados, performáticos e vanguardistas, e que por isso muitos de nossos bairros da Baixada representam grandes banheiros públicos: com muito lixo, vômitos de bêbados, gente quase pelada dançando e cheiro de urina pra todo lado. Sugeri que ele fosse a um cantinho e jorrasse suas águas por lá. Indiquei o local.

Enquanto Carlos esvaziava a bexiga na velha árvore ao canto da rodovia ainda deserta, eu me perguntava se deveria fotografa-lo. Era sua iniciação na Arte Quase Secreta de Mijar na Rua. Arte essencialmente fluminense.
Ele, o bom e ponderado Carlos, que era meu primo mais intelectualizado, vindo da Capital, jovem e cheio das mais altas aspirações filosóficas e espirituais, ali, vitimado pelas urgências de uma biologia impiedosa. Era cena pitoresca e curiosa, de grande importância histórica e biográfica; digna, portanto, de registro. Decidi, porém, não constrangê-lo. Não tirei foto alguma.

Depois me arrependi. Devia ter tirado. Garantiria-me umas boas risadas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Maldita Saraiva!



Aconteceu na Saraiva do Shopping de Nova Iguaçu. Acompanhavam-me um amigo e uma amiga. Raramente frequento livrarias (prefiro os sebos, por questões financeiras e estéticas), mas como o amigo, generoso, queria me presentear, e como já estávamos no Shopping, decidi vasculhar a livraria de lá. Pensei em comprar ao menos um livro que quisesse ler e ainda não encontrara em sebos ou pdf's.

Eu tinha dois romances em mente: A Coisa Não Deus, de Alexandre Soares Silva, e Até Você Saber Quem É, de Diogo G. Rosas. O primeiro, um romance bem humorado sobre anjos materialistas e ateus, já o segundo, sombrio e pesado, fala sobre um escritor curitibano atormentado pelo diabo. Ansioso para ler os dois, compraria o que estivesse mais barato.

Enquanto meus amigos, sentados em poltronas da livraria, colocavam suas tretas em dia - eles se amam, e por isso vivem brigando - eu vasculhava as estantes de Literatura Brasileira. Chamou minha atenção o livro novo do Chico Buarque. Folheei e parecia interessante. Pensei, meio que debochando: "todo brasileiro culto tem que ler o Chicão um dia". O cara é membro honorário do panteão de heróis da cultura brasileira, celebrado pela esquerda e invejado pela direita, o tipo de autor que é importante conhecer.

Deixei o Chico e encontrei um volume de crônicas e outros textos da Hilda Hilst. Abri numa página aleatória e começei a ler. No segundo parágrafo o texto já estava tão bom, tão interessante e tão irreverente que me senti obrigado a mostrá-lo aos amigos. Fui lá nas poltronas e interrompi a conversa. "Vocês precisam ler isto aqui", falei. Delimitei o trecho e aguardei que lessem. Passados alguns minutos, o resultado: "Cara, muito bom!" Quem é o autor?
"Autora, na verdade. É uma mulher. Chama-se Hilda Hilst e é uma das grandes escritoras nacionais", respondi. Meu amigo arregalou os olhos maravilhado, e então, como temos uma amiga que gosta muito de Clarice Lispector, eu emendei: "Que mané Clarice Lispector! O negócio é Hilda Hilst, rapaz!". Ele sorriu.

Até nossa amiga presente, leitora de besteiras como Augusto Cury, achou interessante (reação que eu, sinceramente, não esperava). Era uma crônica relativamente simples, na qual Hilda comentava sobre alguns crimes da época. Bateu-me enorme vontade de comprar o livro, mas custava 70 reais - 69, 99 pra ser exato - o que achei abusivo para meu bolso, ou para o bolso do meu compadre.

Feita a propaganda, deixei os amigos conversando e voltei à estante. Lá encontrei mais autores legíveis. Marçal Aquino, Cristóvão Tezza, Moacyr Sciliar e outros escritores contemporâneos que me parecem interessantes mas que ainda não li. E eis que mais abaixo encontro o tal: A Coisa Não Deus, do Alexandre Soares Silva. Fiquei eufórico porque realmente não esperava encontrar o livro. Mas a euforia não durou muito. A capa estava danificada: tinha uma marca, uma linha, de cerca de dois centímetros, com afundamento do papel, como se alguém tivesse martelado o livro com único mas fortíssimo golpe.

"Eles devem ter mais no estoque, não é possível que esta seja a única edição da livraria", foi o que pensei. E como eu já estava cansado de procurar o livro do Diogo G. Rosas, achei que era hora de consultar um atendente. Fui até um jovem com camiseta da loja. Mostrei o livro e a marca deletéria, e perguntei quem eu deveria consultar para saber se tinha na livraria o outro livro que eu procurava ou outra versão do livro que eu tinha em mãos.

O rapaz, com olhar de iletrado, tentou ler o título do livro, balbuciando as sílabas, até que concluiu: "A Coisa Não É de Deus, Alexandre Soares Silva". Fiquei irritado. Achei ofensivo. Uma pessoa que não conhece a estrutura com "negativa + palavra" ("não isso", "não aquilo", como em "Não-Amor", ou em "Não-Vida") não deveria trabalhar numa livraria. Esse enorme erro, digno de um retardado portador de um dígito de QI, ofendeu-me a sensibilidade literária e cognitiva, até porque fazia sugerir que eu, alma refinada e culta, estava comprando um livreto de temática evangélica. Óh Horror!

Mas era uma livraria na Baixada Fluminense. Eu não deveria esperar demais. Deveria estar feliz porque tinha uma livraria ao invés de um Baile Funk cheio de traficantes com fuzis vendendo cocaína ou milicianos vendendo internet pirata. Então deixei o rapaz inculto e crente, e fui até o atendente por ele recomendado. Perguntei se tinha o livro do Diogo G. Rosas. "Até Você Saber Quem É". Não tinha. "Ok, terei de levar este aqui mesmo, pensei". E perguntei se havia outra versão, não danificada.

Não tinha.

"Que merda", pensei. Perguntei quanto custava o livro. 46 reais! Ora, mas nem a pau que eu, que sou quase mendigo, levaria um livro zoado, ainda mais por 46 pilas! Argumentei que o livro estava avacalhado e perguntei se me faziam desconto. O funcionário explicou que o desconto máximo permitido pelo sistema naquele livro era de 4 reais. Ou seja, eu poderia comprá-lo pela bagatela de 42 bonoros. Quase o mandei à puta que o pariu e tive ímpetos de matá-lo à pauladas.

Nesse momento, meus amigos já estavam ao meu lado. "Não vou levar", eu disse, ressentido com a incompetência geral da livraria. Meu amigo, sem saber de minhas recentes desventuras; e, portanto, sem compreender meu estado de espírito, retrucou: "Vai deixar de comprar o livro por causa de quatro reais?". E quando ele disse isso, por mais errado que ele estivesse, eu me senti a pessoa mais mesquinha do universo. Pensei em explicar minha revolta, que era totalmente racional. Mas concluí que levaria algum tempo e eu já estava desanimado. Eu só queria encerrar minha presença naquele lugar. E se ele que iria pagar não se importava, porque eu me importaria? O jeito era levar aquela merda ou sair de mãos abanando. E nem era eu quem pagaria, afinal.

Deixei meu amigo pagar e levei o livro. Livro zoado, marcado, avacalhado, por 42 reais. Da maldita Saraiva. Depois, enquanto almoçávamos, expliquei a eles minha revolta e fizemos uma pesquisa na Amazon. O preço do livro estava 18 reais pela plataforma (e com frete grátis em conta prime).

"É...Demos mole..." Disse o meu bom e caridoso amigo.

"Fui tapeado!" respondi, fazendo referência à célebre frase do Pica Pau.

No prazo de uma semana, com toda a calma do mundo, li o livro. É bem escrito, e tem estilo, tem panache, mas achei ruim e não me empolgou muito - mas dei risada e achei divertido. Certamente não valia meus 42 reais, ao menos não aquela edição, zoada.

A conclusão disso tudo é uma só: Madita seja a Saraiva, os donos da Saraiva, o sistema da Saraiva, as hipsters gostozinhas de cabelo colorido que frequentam a Saraiva, e os funcionários da Saraiva. Da próxima vez que eu for a esse antro pegarei o livro mais caro, levarei ao canto mais escuro, abrirei e o rabiscarei todo, desenhando vários caralhinhos voadores de caneta, só de birra e vingança.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Lembrança do Sebo do Vicente

  

 
 
 thumbnail O famigerado Sebo do Vicente

Eis um dos registros mais icônicos de minha mocidade. Estava com meus amigos no famigerado Sebo do Vicente, o único da pequena cidade de Queimados, na Baixada Fluminense, interior do Rio de Janeiro. Pela foto, fica a impressão de que nós dopamos o senhorzinho e saqueamos o lugar. Provavelmente essa foi a intenção zombeteira do fotógrafo. Deu certo. Mas o senhor dorminhoco não era o Vicente, aliás, eu não faço ideia de quem era.

Com toda certeza esse sebo era um dos lugares mais undergrounds da Baixada. Primeiro pela desorganização claustrofóbica que, como se pode ver, era ímpar. Segundo pelo fato esquisito de que o Vicente também vendia, no sebo, temperos variados, de modo que o lugar era infestado pelo cheiro de Orégano. E terceiro pelo fato de que Vicente, extremamente cordial, costumeiramente oferecia café enquanto lia uma Playboy antiga e comentava os pentelhos da Cláudia Raia.

Apesar das bizarrices, o sebo deu bons frutos. Acreditem ou não, um de nós comprou o clássico Laranja Mecânica por uns cinco reais lá. Eu consegui uma coletânea do Will Durant, meu historiador agnóstico conservador preferido, por uma pechincha; além de muitos quadrinhos no formatinho.

Mas isso foi há alguns anos atrás. 6, 5 anos? Parece que foi há uma década. Parece até coisa de outra vida.

Sobre Este Blog


Bicho do mato, evito sair de casa o máximo possível, exceto quando descubro algum rolê cultural interessante. Quando em Brasília, por exemplo, eu frequentava festas noturnas (de rock alternativo), sebos, barzinhos universitários, bibliotecas e feirinhas de livros. Já tinha me acostumado e apreciava a vida cultural na capital. Por isso, quando voltei a morar no estado do Rio de Janeiro, na infame Baixada Fluminense, fiquei um pouco desesperado.


Antigo morador de Queimados, sabia (ou achava que sabia) que o município, que foi considerado o mais violento do Brasil em 2018, não tinha expressividade ou relevância cultural. Sem sebos, contava apenas com duas ou três pequenas livrarias evangélicas e uma biblioteca municipal que não passava dum quartinho abafado.

O jeito, pensei, era recorrer à agitação cultural do Centro do Rio. Lapa, Botafogo, CCBB, etc. Mas aí, como não tenho carro, teria que ir de trem, ou de ônibus. E se fosse num rolê noturno, como eu faria pra voltar durante a madrugada e bêbado? Seria arriscado e imprudente. Rio de janeiro é Rio de Janeiro, Baixada é Baixada. Melhor não dar bobeira: vacilou, perdeu.

Então pensei em procurar algum evento mais perto. Afinal, a Baixada é região que integra vários municípios. Queimados era culturalmente inexpressivo, mas Nova Iguaçu, pelo que me lembrava, era mais cultural: tinha centro de cultura, cena de rock independente,  escolinha de xadrez, feirinha de livros, cursos de desenho, alguns sebos, algumas livrarias, FAETEC, CEFET e um polo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), além das boates e bares.

Duque de Caxias, São João de Meriti, Paracambi e Nilópolis eu só conhecia de nome. O que poderia ter de cultural e interessante rolando nesses municípios? Era hora de descobrir.

Meu foco, claro, é conhecer o mundo dos livros e dos escritores da região. Mas também pretendo escrever sobre música, mídia alternativa, fanzines, blogs, coletivos, livros e artistas locais, desde que me despertem o interesse.

Pensar e Escrever sobre a Baixada Fluminense

                       


Cresci na Baixada, mas fiquei muito tempo longe. Morei e estudei na capital. Lá me envolvi com traficantes, seitas malucas, anarquistas e marginais da contracultura. Encontrei um amor, perdi dois, arrumei um bocado de confusão, perdi o emprego e fui praticamente expulso da graduação. Derrotado, sem grana e sem perspectiva, fui obrigado a pedir socorro a meus irmãos e progenitores - que, bem ou mal, e mesmo a contragosto, sempre me acolheram. E foi assim que, depois de muitos anos, me vi de volta à Baixada Fluminense.

Eu havia encorpado minha bagagem intelectual e já escrevia regularmente, mesmo que sem grandes pretensões literárias. Notei que a Baixada continuava o mesmo lugar decadente que sempre fora. Na verdade, era só agora, só depois de viver fora e adquirir alguma noção de como é o mundo da classe média e de como são os estados planejados, que eu conseguia olhar (o Rio de Janeiro e) a Baixada com a lente apropriada.

Antes, quando habitual morador, a vida por estas bandas não me surpreendia. Meu olhar era o olhar comum, pois, por mais precária que a região fosse, era tudo o que eu conhecia do mundo. Os estudos que fiz na capital, e também em outros lugares, acentuaram minha consciência geográfica, histórica e cultural. Agora, de volta à Baixada, era impossível não ficar surpreso com o modo de vida das pessoas da região. Muitas coisas desagradáveis, interessantes, curiosas ou incômodas eu simplesmente havia esquecido ou nunca havia refletido a respeito previamente.

É um lugar esquecido, mal governado, precário e problemático. Cheio de histórias peculiares e inusitadas, e outras tantas repetitivas, previsíveis. Achei que seria importante escrever a respeito da região, especialmente sobre o município onde atualmente resido. Registrar algumas histórias de uma perspectiva que só um doido como eu poderia considerar. Se for útil a algum leitor curioso, tanto melhor.


quinta-feira, 15 de julho de 2021

11 Conselhos Para Jovens Nerds

 

[Dexter, o pequeno e arrogante gênio.]
                                          
Há poucas coisas realmente importantes na vida. Inteligência é uma delas. Alguém aí duvida que tudo que temos de bom e de valoroso na sociedade (e que todos os bens, físicos ou conceituais,dos quais desfrutamos) são frutos da inteligência e do esforço contínuo dos homens do passado?

Se alguém ainda tem dúvidas, basta olhar ao redor. Celulares, arranha-céus, carros, geladeiras, televisores, lâmpadas, trens… Todos esses bens não vieram do nada, não se construíram sozinhos. O processo de construção de apenas alguns deles, como um computador ou um carro, ou mesmo um simples lápis, é tão complexo e apresenta tantas dificuldades técnicas que causa profunda impressão observar tais artefatos serem construídos aos montes, apesar de toda a dificuldade envolvida na confecção.

A inteligência humana aplicada tem permitido identificar e resolver problemas não apenas em questões de engenharia, mas também na medicina, na psicologia, no direito, na política e em qualquer outra área que você possa imaginar. Além disso, a quantidade de conhecimento acumulado, utilizado e acessível nunca foi tão alta em toda a história humana (o amigo leitor certamente já ouviu falar que vivemos na “Era da Informação”) e nossa civilização é totalmente dependente desses conhecimentos, dessa estrutura informacional.

Sabendo disso, percebendo que a manutenção da nossa frágil civilização e de seus bens depende do conhecimento e da inteligência, era de se esperar que nossas crianças e jovens tivessem sua curiosidade natural (esse elemento formador da inteligência) mais do que estimulada. Era de se esperar que as mentes mais destacadas, os espíritos introspectivos, dados à leitura e à reflexão, ao cálculo, à descoberta e à solução de problemas difíceis, fossem encorajados e incentivados, tidos até como heróis mantenedores da vida, da civilização e do progresso, afinal, se não houver ninguém para guardar, descobrir e utilizar o conhecimento, que será de uma civilização baseada nele?

Infelizmente, porém, o brasileiro está longe, muito longe, de compreender isso. E consequentemente está longe de valorizar e de incentivar a inteligência e a curiosidade dos mais jovens. Por outro lado, os brasileiros são excelentes em incentivar a sexualização precoce e o retardamento infanto-juvenil.

Argumentos são discutíveis, opiniões não...

  Com frequência maior do que considero saudável, reparo — em discussões e pretensos debates — colocações e posturas que, para dizer a verda...